
O regime das faltas por motivo de falecimento de familiar
As faltas dadas por trabalhador por motivo de falecimento de familiar, o início e forma da respetiva contagem, bem como as implicações no gozo de férias
No âmbito de uma relação laboral tal como configurada no artigo 11.º do Código do Trabalho, são reconhecidos direitos e atribuídos deveres a ambas as Partes – trabalhador e empregador –, permitindo assim a concretização de uma relação de confiança que se traduza na promoção humana, profissional e social do trabalhador, bem como na produtividade almejada pelo empregador.
Um dos deveres do trabalhador, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, é comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, observando o programa da prestação de trabalho, no tempo e no espaço previamente definidos.
A ausência do trabalhador no local de trabalho durante o período normal de trabalho diário pré-estabelecido consubstancia uma falta. Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta (cf. números 1 e 2 do artigo 248.º do Código do Trabalho).
A falta do trabalhador, conforme o disposto no número 1 do artigo 249.º do Código do Trabalho, poderá configurar um de dois tipos: justificada ou injustificada.
Nos termos do número 2 do citado artigo 249.º do Código do Trabalho, são consideradas justificadas as faltas:
(a) dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento;
(b) motivadas por falecimento de cônjuge, parente ou afim, nos termos do artigo 251.º;
(c) motivadas pela prestação de prova em estabelecimento de ensino, nos termos do artigo 91.º;
(d) motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;
(e) motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar de trabalhador, nos termos dos artigos 49.º, 50.º ou 252.º, respetivamente;
(f) motivada pelo acompanhamento de grávida que se desloque a unidade hospitalar localizada fora da ilha de residência para realização de parto.
(g) motivadas por deslocação a estabelecimento de ensino de responsável pela educação de menor por motivo da situação educativa deste, pelo tempo estritamente necessário, até quatro horas por trimestre, por cada um;
(h) motivada por luto gestacional, nos termos do artigo 38.º-A;
(i) de trabalhador eleito para estrutura de representação coletiva dos trabalhadores, nos termos do artigo 409.º;
(j) de candidato a cargo público, nos termos da correspondente lei eleitoral;
(k) autorizada ou aprovada pelo empregador;
(l) que por lei seja como tal considerada.
Conforme resulta do acima exposto, as faltas motivadas por falecimento de cônjuge, parente ou afim consideram-se faltas justificadas, nos termos do disposto no artigo 251.º do Código do Trabalho.
Ora, é precisamente no artigo 251.º do Código do Trabalho que encontramos o regime das faltas por motivo de falecimento de familiar.
De acordo com o previsto na alínea a) do número 1 e do número 2 do artigo 251.º do Código do Trabalho, o trabalhador pode faltar justificadamente até 20 dias consecutivos pela morte de cônjuge não separado de pessoas e bens ou equiparado, de filho (biológico ou adotado) ou enteado e de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador.
Nos termos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 251.º do Código do Trabalho, o trabalhador pode faltar até 5 dias consecutivos pelo falecimento de outro parente ou afim no 1.º grau da linha reta, que não seja o cônjuge não separado de pessoas e bens ou equiparado, filho e enteado - ou seja, aqui temos como parentes ou afins no 1.º grau da linha reta: o pai, a mãe, o padrasto, a madrasta, o sogro, a sogra, o genro e a nora.
No caso de falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral, dita a alínea c) do número 1 do artigo 251.º do Código do Trabalho, que o trabalhador pode faltar justificadamente até 2 dias consecutivos – ou seja, aqui temos como parentes ou afins na linha reta ou no 2.º grau da linha reta: o avô, a avó (do trabalhador ou do seu cônjuge), o neto ou a neta (do trabalhador ou do seu cônjuge), o irmão, a irmã, a cunhada e o cunhado.
Ressalva-se que estamos perante um tipo de falta justificada que não implica a perda de retribuição do trabalhador, sendo certo que o trabalhador deverá avisar a entidade empregadora da falta e respetivos motivos com a maior brevidade possível.
De acordo a interpretação do disposto nos artigos 250.º e 251.º do Código do Trabalho, o início de contagem das faltas por falecimento de familiar inicia-se no dia do falecimento, podendo ser acordado momento distinto ou ser estabelecido outro momento por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (nos termos conjugados do disposto no artigo 250.º e no artigo 3.º do Código do Trabalho).
No caso de o falecimento ocorrer após o cumprimento do período normal de trabalho, deve a contagem dos dias de ausência ao trabalho por motivo de falecimento iniciar-se no dia seguinte.
No que concerne à questão da contabilização ou não dos dias de descanso e feriados intercorrentes na contagem das faltas por motivo de falecimento de familiar, trata-se de uma matéria sem previsão legal, e que tem vindo a gerar controvérsia na doutrina e jurisprudência.
Existe uma corrente jurisprudencial e doutrinária que tem vindo a entender que os dias de descanso semanal ou feriados não integram o período de dias consecutivos referidos na lei, dado que em relação a eles não se poria nunca a questão da falta. Posição sustentada na ideia de que nos termos do disposto no número 1 do artigo 248.º do Código do Trabalho se considera falta a ausência de trabalhador do local de trabalho em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho e que o início da contagem das faltas por falecimento de familiar devem ser consecutivas e se iniciam no dia do falecimento. De acordo com este entendimento, não podem ser contabilizados os dias de descanso e feriados que medeiem na contagem das faltas por motivo de falecimento de familiar, por não existir ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário.
Por seu turno, existe uma outra corrente jurisprudencial e doutrinária segundo a qual a expressão “dias consecutivos” contida no artigo 251.º do Código do Trabalho deve ser interpretada no sentido de se referir a dias consecutivos de calendário, independentemente de serem dias de trabalho ou de descanso semanal ou feriados.
No que concerne às implicações das faltas por falecimento de familiar no gozo de férias, tem vindo a ser entendido que as mesmas podem justificar um adiamento ou uma suspensão de férias por duas razões: (i) as faltas não dependem da vontade do trabalhador e (ii) a impossibilidade do gozo do direito a férias visa o descansado e recuperação física do trabalhador.
Sofia Vasconcelos, Advogada.
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