
O Valor do Cartão Refeição e a Cessão de Rendimentos na Exoneração do Passivo Restante no Direito Português: Análise Jurídica
Exoneração do passivo restante:
No âmbito do processo de insolvência, quando o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos nos termos da qual é determinada a extinção das dívidas que não tenham sido totalmente pagas no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao enceramento do processo de insolvência , cfr. artigo 235º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).
Por sua vez, nos termos da art.º 239º do CIRE, o Despacho inicial de exoneração do passivo restante determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência – designado por período da cessão -, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a um fiduciário.
Ora, nesse contexto, integra o conceito de rendimento disponível todos aqueles que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Do que seja razoavelmente necessário para:
- O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
- O exercício pelo devedor da sua atividade profissional;
- Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
b) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz.
O Cartão Refeição no Direito Português:
O cartão de refeição constitui uma forma de benefício ou compensação fornecida pelos empregadores aos seus trabalhadores, com o objetivo de apoiar nas despesas de alimentação durante o período de trabalho. Este cartão é uma alternativa ao tradicional vale-refeição, e funciona como um meio de pagamento, sendo carregado com um determinado valor mensal para que o trabalhador possa usá-lo em estabelecimentos de restauração.
De acordo com a legislação em vigor, o cartão refeição beneficia de um regime fiscal favorável, sendo isento de contribuições para a segurança social até o limite de 10,20€, por dia, conforme estabelecido pela Autoridade Tributária. Apenas o valor excedente a este limite está sujeito a tributação.
Problemática do cartão refeição na cessão de rendimentos:
A questão do valor atribuído ao cartão refeição e sua implicação na exoneração do passivo restante é uma problemática que tem gerado discussões, nomeadamente no contexto da cessão de rendimentos ao fiduciário.
Importa perceber se o montante auferido pelo devedor/insolvente a título de subsídio de refeição através de cartão refeição integra, ou não, rendimento para efeitos de cálculo dos valores a ceder à fidúcia.
Na verdade, o subsídio de refeição, atribuído através de cartão refeição, não se traduz numa remuneração líquida, porquanto o trabalhador não tem uma real disponibilidade monetária de tal valor, já que é direcionado especificamente para alimentação e não pode ser usado para outras despesas.
O valor do cartão refeição não deveria ser considerado rendimento disponível para efeitos de cálculo da cessão de rendimento, dado que não constitui rendimento propriamente dito, mas sim um benefício ou uma vantagem atribuída pelo empregador ao trabalhador, com a finalidade de cobrir despesas com alimentação.
Esse fator limita a sua equivalência com a retribuição, que geralmente pressupõe a capacidade de escolha do trabalhador sobre como e onde utilizar o pagamento recebido.
No entanto, tem sido entendimento da Jurisprudência, em Portugal, que a circunstância do subsídio de alimentação não ser pago em dinheiro, não significa que não constitua um rendimento para o devedor/insolvente, já que lhe permite a poupança de despesas que sempre teria que realizar. E, por tal, materialmente, não deixa de traduzir um gasto que o insolvente não tem de assumir.
Assim, tem sido decidido pelos Tribunais que, no âmbito da exoneração do passivo restante, as quantias recebidas pelo insolvente a título de subsídio de alimentação através de cartão refeição integrando, enquanto prestações periódicas e regulares, a remuneração por ele auferida como trabalhador por conta de outrem, não estão excluídas, pela sua natureza, do conceito de rendimento disponível enquanto objeto de cessão à massa insolvente.
Paula Cristina Duarte, Advogada.
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